O direito ao silêncio e à não auto-incriminação.
Princípio "nemo tenetur se ipsum accusare".
O acórdão do Tribunal Constitucional nº 298/2019 datado de 15 de Maio, com declaração de voto simples e clara de Manuel da Costa Andrade, meu antigo Professor em Coimbra, veio esclarecer uma questão controversa nos tribunais nos últimos anos.
A falta de meios suficientes para a investigação criminal em Portugal não pode servir como justificação para se encontrarem "atalhos engenhosos" que violam direitos constitucionais do cidadão.
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"A pendência de um inquérito instaurado na sequência da notícia de crime tributário significa, no mínimo, a existência de indícios de que foi cometida tal infração. A subsequente realização de uma inspeção tributária, necessariamente dirigida a contribuintes determinados, já não é dissociável de tal suspeita e, por conseguinte, não pode deixar de ser vista também como uma diligência de investigação criminal que afeta pessoalmente o contribuinte-suspeito. Daí que a colaboração legalmente devida com a inspeção tributária redunde inevitavelmente numa colaboração forçada com a investigação criminal levada a cabo pela mesma Administração, no seu papel de órgão de polícia criminal. E esta última colaboração, a ser admissível, representaria pura e simplesmente um dever de autoincriminação e, como tal, o oposto do direito à não autoincriminação constitucionalmente garantido. No limite, a Administração fiscal, sob a veste de inspeção, poderia forçar o contribuinte a entregar-lhe toda a prova documental necessária para que a mesma Administração, agora sob a veste de autoridade e órgão de polícia criminal, pudesse levar ao inquérito e justificar materialmente a dedução pelo Ministério Público de uma acusação criminal contra o contribuinte. "
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"III. Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República portuguesa, a interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo;"
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Acórdão do Tribunal Constitucional nº 298/2019, de 15 de Maio.