Juízes avisados de que não há lugar para acolher mais jovens condenados.
Os faxes começaram a chegar na semana passada aos tribunais. Davam conta de que os centros educativos, destinados a receber jovens condenados, atingiram o limite. A ordem interna que já imperava no sistema tutelar educativo e que o PÚBLICO noticiara há duas semanas entra assim em prática.
A Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) enviou o aviso a alguns tribunais de família e menores que tinham pedido a indicação de vaga para internar jovens recentemente condenados. E há pelo menos dois casos de menores que aguardam em casa. Quando houver vaga, serão avisados. E só então irão cumprir a medida tutelar educativa decidida em julgamento. Não há qualquer previsão de quando isso acontecerá, já que só será possível quando se verificar o fim do internamento de um jovem que saia para dar lugar a outro que esteja à espera.
A excepção vai para os menores que sejam condenados a regime fechado, a mais severa medida prevista. E para os casos urgentes, que implicam uma medida cautelar de guarda, o equivalente à prisão preventiva decretada a adultos. Para esses casos, existem lugares reservados, mas poucos.
Há anos que o sistema se debate com uma ginástica diária para conseguir aceitar os menores que vão sendo enviados pelos tribunais, mas isso já não é suficiente. O limite máximo de lotação foi atingido. Para cerca de 200 vagas existentes nos sete centros, existem 230 jovens internados.
"Não é possível, neste momento, disponibilizar vaga para o jovem em centro educativo devido à situação actual de sobrelotação da rede de centros educativos. Esta direcção-geral confronta-se na actualidade, com problemas de sobrelotação", referem os faxes enviados pela DGRSP aos tribunais de família e menores do Porto, Sintra e Lisboa, a que o PÚBLICO teve acesso.
Questionada pelo PÚBLICO, através do Ministério da Justiça, a mesma direcção-geral garantiu porém que "dispõe de vagas para dar cumprimento a medidas de internamento" e que "ao dia de hoje não existem jovens que aguardem em casa a existência de vaga". Os documentos a que o PÚBLICO teve acesso indicam que pelo menos dois menores estão em casa à espera. De novo questionado, o ministério remeteu esclarecimentos para hoje.
A situação foi também confirmada ao PÚBLICO pela procuradora Maria do Carmo Peralta, coordenadora da Comissão Fiscalizadora dos Centros Educativos, que funciona junto da Assembleia da República. "Confirma-se a situação, que é preocupante. Há muito tempo que existem estes constrangimentos, mas agora a situação tornou-se realmente mais grave", admitiu a magistrada. Aquela comissão vai fiscalizar os centros educativos em Setembro, como ocorre todos os anos. Só então irá avaliar os efeitos da sobrelotação.
A DGRSP admite "alguns condicionalismos" e assume que "informou alguns tribunais relativamente às jovens que não se tinham apresentado voluntariamente no Centro Educativo de Santa Clara", em Vila do Conde. Para dar início à execução da medida de internamento, indicaria outro centro. Nos faxes, todavia, afirmam que tal ficará, no futuro, "condicionado à existência de vaga".
A situação, agravada pelo encerramento no mês passado do Centro Educativo de Santa Clara, que, só por si, representava 48 vagas, está a gerar preocupação em alguns sectores da justiça. Os procuradores dizem mesmo que é a própria justiça de menores que está a ruir. "Vemos isso com bastante preocupação. De nada vale o juiz que tem o processo em mãos tomar a decisão de internar o menor pelos crimes cometidos. Essa decisão não vale nada se não for depois aplicada. Está em causa a justiça de menores e o que se passa é realmente preocupante. O objectivo é a reeducação, que assim passa a não existir", disse ao PÚBLICO o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Rui Cardoso. O responsável alerta para "o perigo de, não havendo possibilidade de internar os jovens, os mesmos poderem voltar a cometer crimes". Rui Cardoso espera que venham a ser tomadas "medidas com urgência". Neste contexto, "falha tudo", aponta.
A DGRSP garante que "dará sempre resposta a todas as situações que careçam de imediata solução", mas não explica como. Assegura que reabrirá com a "maior brevidade possível" o centro educativo de Vila do Conde, fechado após a União de Meridianos de Portugal (UMP), que o geria, ter comunicado a suspensão da sua actividade. O Estado só poderá pagar o que deve à UMP desde o início do ano se o Tribunal de Contas vier a autorizar.
Publicado no Jornal Público a 13 de Agosto de 2014
Em: Portal da Ordem dos Advogados