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Advogado Criminal (Direito Penal)

Divulgação de notícias e de opiniões sobre questões de interesse para a área criminal do Direito.

Advogado Criminal (Direito Penal)

Divulgação de notícias e de opiniões sobre questões de interesse para a área criminal do Direito.

Escutas telefónicas: Ficção ou perigo real?

Reza assim aquele documento chato e incómodo para muitos chamado Constituição:

Art. 32º, nº 8 - “São nulas todas as provas obtidas mediante …. abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.” e art. 34º, nº 4 - “É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.”.

Estabelece o Código de Processo Penal a utilização das escutas telefónicas como um meio de obtenção de prova. Não como prova para condenar. O legislador entendeu assim que escutar alguém ao telefone, ao telemóvel, na internet, etc. será sempre uma medida excepcional de ajuda em casos complexos nos quais a Polícia, após muita investigação, não consegue encontrar indícios fortes e/ou provas da prática de crime.

No entanto, na prática, nos últimos anos, devido aos sucessivos cortes orçamentais e restrições na contratação de novos agentes policiais, os Tribunais têm vindo a abusar deste expediente legal para conseguir instruir casos contra cidadãos que não suspeitam que todas as suas palavras, expressões e brincadeiras telefónicas podem vir a condená-los por crimes de que não existe mais nenhuma prova que não as transcrições dessas mesmas conversas. Com a agravante de que, ao contrário do que acontece com as falsificações de assinaturas, os juízes portugueses não exigem (nem aceitam) que se verifique através de perícia científica se a voz numa determinada gravação é da pessoa acusada. Por alguém dizer “fala o João...” isso não significa que esteja o João ao telefone. Pode ser o Manel, o Tono, ou até a Margarida!!!

Quem já não disse ao telemóvel, por exemplo, “olha pá, amanhã traz-me aquelas fotografias que tiraste na festa”. Azar dos azares, se a pessoa com quem estamos a falar estiver a ser escutada por causa de um processo envolvendo drogas, corremos o risco de passarmos por criminosos pois estamos a solicitar uma amostra de droga (usando um código, fotografia). Isto segundo as nossas competentes autoridades policiais e judiciárias que encontram agora significados ocultos em todas as palavras e expressões que usámos no dia-a-dia. Resta saber se tal “dicionário de código criminoso” já está actualizado segundo o acordo ortográfico.

Aconselho assim, por mera segurança ficcional (pois estas coisas só acontecem nas séries americanas) a passarmos a falar em mirandês ao telemóvel, ao telefone e na internet.

 

Pedro Miguel Branco (Advogado)

pmb@pedromiguelbranco.com

 

 

Publicado na edição de 23-02-2012 do Jornal "Notícias de Gaia" (página 13).

http://noticiasdegaia.files.wordpress.com/2012/02/23-02-2012.pdf